Diálogos da esfinge - parte I
Confissão
! Confesso. Nunca vivi um momento tão delicado e que inspirasse tanto cuidado como o que estou vivendo agora. Já estive algumas vezes diante de algumas esfinges, mas nunca dessa forma tão diluída e ao mesmo tempo tão concentrada. É como se de repente eu me deparasse com o oceano contido dentro de uma gota e essa gota guardasse o poder absoluto de me devorar com seu toque de sal, mistérios e a tormenta das perguntas. Enxergo a esfinge sem vê-la; toco-a em seu corpo etéreo e vago, e temo e tremo, com todos os meus medos antigos e recentes e os que ainda hei de sentir; escuto todas os seus enigmas, mesmo que do fundo do mais absurdo e inaudível sussurro; e fico assim, horas a fio, fora de órbita, gravitação estranha na minha alma, e esse carrossel de doloridas emoções em que o espelho de agora exige mais do que retoques, um jeito novo de perder ou abandonar a casca, a couraça, as armaduras. E me vejo assim, exposta, frágil como na música do Sting. Dependendo, pensar dói demais. E apesar da dor, não tem em mim qualquer movimento de recuo. Deixo solta em mim a criança curiosa e ávida diante de uma imensidão de embrulhos. Corro todos os riscos. Caminho, decidida, em direção à esfinge, despindo-me vagarosamente dos meus medos. E vou nua. Ao pé da esfinge, ou de mim mesma, deposito o gesto e a intenção: derramo a porção restante do vidro de alfazema; atiro no chão aquele pedaço de espelho em que resguardei a essência da minha alma e identidade; derreto todos os meus soldados de chumbo; ergo os olhos e encaro o que me devora e não me apavora, nesse momento, essa fenda no abismo. (27-5-2005).
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