Diálogos da Esfinge

Inicio aqui meus diálogos com a esfinge, afinando a escuta com o oráculo interior. Serei pergunta e resposta. Por vezes o silêncio, a lucidez e a loucura. Trocarei de papéis e de mistérios. Assim, caminho em direção à esfinge, despindo-me vagarosamente dos meus medos. E vou nua. Ao pé da esfinge, deposito o gesto e a intenção. Ergo os olhos e encaro o que me devora e não me apavora, nesse momento, essa fenda no abismo. Corro o risco da decifração. Eis-me aqui, nesses diálogos...

terça-feira, maio 02, 2006

O anjo negro de ardilosa gentileza


Palavras dançam no fundo do espelho

A esfinge de novo me acordando para os detalhes onde mora o seu OLHO. Essa inquietude de dentro abrindo caminho para os espectros de cada palavra fora de lugar, dos sentimentos que não se ajustam à razão do texto das vontades desembrulhadas daquela emoção profunda que um dia subverteu a ordem das coisas. O OLHO que viu as fugas, que sentiu o vazio, a presença às vezes oca, que estranhou o brilho de alegria incontida e assistiu o baque no espaço das minhas tentativas de esmurrar a porta, a inexistente porta dos mistérios que se aninhavam comigo. Tantas vezes diante da esfinge impassível... Tantas vezes a figura do oráculo se impôs no horizonte do meu olhar... Nada vi e nem suspeitei, embora estranhasse os movimentos e não-movimentos. Mas como poderia, se meu olhar estava cativo por uma certeza cega que venerava como uma VERDADE de pé no chão. E tudo tremeu, e tudo ruiu, como um cristal precioso rodopiando os perigos de cada gesto e cada palavra nesse itinerário das máscaras que insistem em grudar como segunda pele. Raspo a minha pele no limite do sangue e deixo escorrer os fluidos de um tempo.
Ontem, de novo a esfinge, com o seu OLHO invadiu a camada mais profunda da minha noite. De novo me deu a visão de dentro. E me fez dialogar com um oráculo que vestiu a pele de um anjo negro. Ele me ouvia, sem querer, como que cumprindo um ritual de delicadeza por ter sido jogado na cena. Ele me disse que não estava vivo, que era de outro mundo. Mas já que iniciamos o DIÁLOGO, afrouxei a correia das palavras e deixei minha alma derramar um pouco das dores e confusão dos perturbadores pensamentos das cansativas vigílias. Os pensamentos imperfeitos, o caminhar em círculo, a batida do tambor sempre no mesmo compasso de sobressalto, as muralhas e os paredões onde ecôo como se estivesse em um beco sem saída.
A imagem do anjo negro e a forma como se abriu para o diálogo comigo, mesmo sem ser desse mundo. Em essência, Ele era ESCUTA. E sua imagem já trazia o significado. Antíteses vertiam de sua imagem, contando outros sentidos para essa enigmática aparição. O anjo negro, o que furou os olhos de um inocente anjo louro no berço, e deu de presente a sua imagem noturna de uma última visão, fixada fundo na memória, como um horror, como um pavor. Perturbador demais! O anjo gentil de alma cruel. E as antíteses do anjo ululam dentro da lembrança dessa noite estranha, desse sonho vagando nos sentidos da minha alma. E um outro sentimento claro é o de impotência, que aparece na figura do uso de um espaço inválido. Nesse encontro, a esfinge pisou fundo o indelével e o fugidio das palavras, e deixou suas marcas numa impressão de suas contra faces. Ela deixou a visão das palavras no fundo do espelho, salpicando-o de imagens e nomes para que não pairasse qualquer nuvem contra a clareza do ato de ver e ver o que não se quer, o que está escrito na alma e na pele desses dias que me arrastam e contra os quais luto sangrentamente para sair com a inteireza da compreensão. A esfinge, definitivamente, agarrou-me pelos tornozelos e os fios parecem invisíveis, mas estão cravados no mais profundo da boca do peixe que se recusa a ver a LUZ. Quero os sentidos da superfície. Mas o único caminho de passagem é o da ESFINGE. Vivo com a esfinge e os seus caminhos tortuosos me perseguem. Não há fuga e nem desejo de me opor. Convivo e sigo...
Goiânia, 2-5-2006.