Diálogos da Esfinge

Inicio aqui meus diálogos com a esfinge, afinando a escuta com o oráculo interior. Serei pergunta e resposta. Por vezes o silêncio, a lucidez e a loucura. Trocarei de papéis e de mistérios. Assim, caminho em direção à esfinge, despindo-me vagarosamente dos meus medos. E vou nua. Ao pé da esfinge, deposito o gesto e a intenção. Ergo os olhos e encaro o que me devora e não me apavora, nesse momento, essa fenda no abismo. Corro o risco da decifração. Eis-me aqui, nesses diálogos...

quarta-feira, abril 19, 2006

O toque do fogo


Toquei, sem saber, a árvore proibida. Cismei.
Viver com cisma é perder o paraíso, é ser tocado por um fogo ancestral, tribalístico, o acender da fogueira que brota de uma fagulha interna, de um descuido, de uma desatenção em algum momento em que algo resvalou e não percebemos. A esfinge me cutucou assim. Veio de forma reincidente, com o presságio das aparições do oráculo, que percebia como algo errado no horizonte, mas não via com consciência aquela intuição beirando um descontentamento, um desconforto. Sabia, só não tinha consciência. Nas primeiras vezes a esfinge chegou como uma friagem, uma aragem diferente, um calafrio, um sopro roçando os meus cílios. A esfinge chegou perto demais, mesmo assim eu não percebi a estranha visitante. Mas o seu OLHO pousou sobre mim de forma grudenta, um visgo invisível de muitos fios bloqueando meus movimentos e chamando a minha consciência, exigindo olhar atento. A esfinge visitou minhas palavras, como se me possuísse nas noites de sonho e pesadelos e amanhecesse comigo como vestígios impressos nos meus escritos. A esfinge ousou travestir-se com minhas palavras, postando-se à minha frente como placas luminosas, para um dia de sensibilidade e leitura gritante. Depois disso, a esfinge cravou o olhar perturbador no horizonte da minha alma, mas num ponto específico do meu coração montou um observatório lunático. Lembro de uns sonhos, desembrulhando pesadelos, em que a esfinge me levou pela mão ao mais alto das minhas quedas e dos meus medos e, imperturbavelmente, desatou os nós que eu não (queria) via. E não deu de graça. Exigiu o meu OLHO. Vieram as imagens, os simbolismos, os códigos secretos, a impossibilidade de tradução, as máscaras, as janelas e o OLHO, o de dentro e o de fora, e o além de tudo. A esfinge exigiu ATENÇÃO. Nesses dias tristes, estranhos e estagnados, aceitei a sua presença como uma companhia que me instiga a olhar, a perceber, a sentir fundo, a revolver, a decifrar e a devorar com palavras o que ainda não entendo. A esfinge está comigo e às vezes me assume, e em outras eu a ignoro e escondo. Mas ela ESTÁ. E isso independe de mim e das minhas vontades e não-vontades. Ela é paciente, fria como gelo, mas queima como fogo. O convívio com ela requer cuidados especiais, pois um contato longo e descontrolado pode significar necrose e amputações. Com a esfinge corro risco calculado e sigo esgueirando pelas fendas do seu caminho como um felino pronto a saltar fora de algo irremediável. Busco a decifração e não quero ser devorada mais do que possa compreender e aceitar. Deixo que ela me mostre os abismos, mas quero mesmo a superfície de terra firme e conhecida. Assumo com coragem o perigo das palavras que devoram esses dias tristes e estranhos. Com o meu OLHO fixo na JANELA em que busco o firmamento de um horizonte, o meu ENIGMA me chama e eu vou...

Goiânia, 19-4-2006.