Diálogos da Esfinge

Inicio aqui meus diálogos com a esfinge, afinando a escuta com o oráculo interior. Serei pergunta e resposta. Por vezes o silêncio, a lucidez e a loucura. Trocarei de papéis e de mistérios. Assim, caminho em direção à esfinge, despindo-me vagarosamente dos meus medos. E vou nua. Ao pé da esfinge, deposito o gesto e a intenção. Ergo os olhos e encaro o que me devora e não me apavora, nesse momento, essa fenda no abismo. Corro o risco da decifração. Eis-me aqui, nesses diálogos...

quinta-feira, abril 20, 2006

A menina perdida me encontrou


No caminho da esfinge
Encontrei uma menininha
Perdida ela choramingava
Os meus dias de perdição
Culpei a mãe
A filha da mãe da MÃE
E a menina estava perdida
De um jeito que nunca estive
Além do que sempre estive
A menininha que encontrei
No caminho da esfinge
Depois de uma conversa torta
Dentro de um baú escuro
Que apareceu no meio da minha sala
Estava perdida e quis me levar pra casa
Ela me levou com o seu choro antigo
Que escapou de dentro das minhas dores
As minhas dores recentes desses dias tristes
A menina que me encontrou
No caminho da esfinge
Andava de bicicleta
Longe do quintal de casa
Andava de bicicleta...
E eu nunca aprendi esse domínio
A andar de bicicleta
E a filha da MÃE
O meu primeiro pensamento
Mas de onde saiu essa menina?
Cismei que da conversa torta
De todas as portas
De todas as dores
ABERTAS
Cismei que dos seus olhos
Os mesmos que um dia me olharam
De viés, entre eclipses
De travesso, entre o pôr do sol
Afundando na linha do horizonte
Cismei que a menininha era a esfinge
Cutucando na profundeza do seu lago
Os peixes cegos do reino escuro
Que tentava trazer à luz da superfície
ENGANO
A menina perdida no caminho da esfinge
Que choramingava o seu choro triste
Os meus dias de perdição
Arrancou de dentro de mim
Todos os sentidos de direção
A paz do pertencimento
A minha própria companhia
E atirou tudo ao desassossego
E me arrancou a MÃE
A filha da mãe das minhas culpas
E as culpas que atirei à MÃE
Só em parte a menina
Que encontrei no caminho da esfinge
Tinha a sua alma e a sua face
Porque na essência ELA
Sou EU
Só EU
Minha solidão
Minhas dores
Minhas palavras
Meus cortes
Meus abusos
Meus absurdos
Essa viagem pelos mistérios da esfinge
Esse canibalismo autofágico
Essa tragédia verbal
Esse princípio do NADA
Essa insistência no escuro
Esse abismo à minha espreita
Essa janela aberta para o mundo
Essa imensidão de dentro
Tudo no princípio
No choro da menina perdida
A menina perdida que me encontrou
E que agora sou obrigada a colocar
No COLO
E afagar bem junto do meu peito
E chorar com ELA
E acreditar por ELA
Que tudo vai passar...
Que tudo vai passar...

Goiânia, 20-4-2006.