Com a chave do enigma no bico
Um pássaro aprisionado na moldura, com metade da palavra curiosidade no bico e a inscrição de uma cantiga infantil como a chave do enigma: “Curió lá na gaiola fez um buraquinho/Voou, voou/E a menina que gostava do bichinho/Chorou, chorou”. Do outro lado, também na moldura, um leme, símbolo supremo dos Navegantes. Sempre a esfinge, me rondando, como um bicho faminto à espreita, me propondo leituras no âmago da minha fome no labirinto das perguntas certas e das respostas de silêncio intocado. Transponho portais onde cruzo com o totem da esfinge e em algumas vezes o oráculo chega a tocar o meu ombro, já envergado pela agonia dessas sombras possessivas. O muro sombrio sustenta a fragilidade de uma mangueira que brota na pedra, numa ausência ressentida de luz. Toco a planta, chego a arrancar ramificações secundárias e vejo as raízes periféricas. Recuo. Sinto medo de afetar a vida que insiste em afirmar-se no ambiente hostil. Adio o momento, com todas as minhas incertezas. E o oráculo sussurra atrás da minha orelha uma exigência da esfinge. Não ouço, mas vejo claramente a fonte do enigma, o pássaro com metade da palavra curiosidade no bico, aprisionado na moldura, e o leme estático (vermelho, azul e branco) – não sei precisamente a razão, mas me remete à figura de um pícaro, que zombeteiramente dá cambalhotas ao redor das minhas tentativas de entendimento. O leme, o controle que não está em minhas mãos, mas preso na moldura como a chave do enigma que me atropelou em cheio. Sei que não fui eu quem naveguei. Mas acordei em mar aberto. A chave do enigma. O leme que desnorteou a minha vida e me deixou à deriva no universo da esfinge. Sussurra oráculo, sussurra...
Cida Almeida – Goiânia, 17-7-2006.