Diálogos da Esfinge

Inicio aqui meus diálogos com a esfinge, afinando a escuta com o oráculo interior. Serei pergunta e resposta. Por vezes o silêncio, a lucidez e a loucura. Trocarei de papéis e de mistérios. Assim, caminho em direção à esfinge, despindo-me vagarosamente dos meus medos. E vou nua. Ao pé da esfinge, deposito o gesto e a intenção. Ergo os olhos e encaro o que me devora e não me apavora, nesse momento, essa fenda no abismo. Corro o risco da decifração. Eis-me aqui, nesses diálogos...

segunda-feira, abril 03, 2006

Migalhas de mim no caminho da esfinge


Descobri no caminho da esfinge
Migalhas de mim
Pedaços que fui deixando
Pelo avesso
Entre dias de cerzido invisível
Em que me costurava nas linhas tortas
Essas migalhas foram ficando
Para me recontar histórias de um tempo
E eu não compreendi o poder da agulha
Que tinha nas mãos e no meu destino
Descobri no caminho da esfinge
Que os dias felizes são sempre arrogantes
E neles construí templos particulares
Que ruíram como castelos de nuvens
E a tempestade estava em mim
O tempo todo comigo
Algumas vezes intui a tempestade
Mas acreditei em brisas
E não vi no olho do futuro
Aqueles dias parados e enigmáticos
Famintos de mim
Na fome da esfinge
Aquelas migalhas perdidas
Entre os meus dias felizes
Entre os meus mistérios ignorados
Recontam a história de um tempo
Em que preferi calar as perguntas
E distorcer as respostas
No caminho da esfinge
As migalhas de mim
Guardam as perguntas e as respostas
E guardam também as palavras
Que o meu silêncio engole agora
A seco
No caminho da esfinge
Engulo também um tempo de difícil digestão
E fico quieta
Enquanto o mistério age dentro de mim
À espera de nada
Só me restam migalhas de mim
Com uma essência de inteireza
No que ainda não decifro
E me devora
Todos os dias
Entre perguntas e respostas
Que enfio no buraco da agulha
Linhas invisíveis do meu delírio
Na minha costura insana
Tento com desespero mudo
Tapar o buraco da falta
Mas ela já me habita
E me cobre com o manto
De todas as ausências.
Goiânia, 3-4-2006.