Lá está ele, aquele domingo emblemático e mordaz, como uma esfinge a circundar-me com seus mistérios; e aquelas portas que se abriram para um mundo interior e exterior que eu desconhecia. Foi apenas um esbarrão e em pouco tempo eu estava no fundo de um poço cheio de dúvidas e negações para situações tão obviamente ignoradas pela minha crença de que aquilo jamais aconteceria.
Mas aconteceu. Entre os dias que acreditava serem meus e também claros como a certeza que habitava o meu coração. E eram dias comuns e alegres, cheios de “eu te amo”, febre emocional, entrega cega, saudades insanas, escrituras do paraíso e ilusão de entrega.
E aquele esbarrão que até hoje dói na minha alma foi só o começo de uma lucidez desorientada e outras histórias carregadas do mistério original. Por isso, ainda me vem, em certos dias, o calafrio daquele domingo que virou a minha vida pelo avesso.
Tenho outra idéia fixa, mais dolorida do que aquilo que comecei a viver naquele domingo: pensar que poderia não ter escavado aquele mistério tantas vezes sondado e continuado com os meus dias plenos de uma falta que devorava tudo por dentro, sem que tivesse a chance de entender ou estancar, minhas dores e meus gritos, que fossem!
E como doeu encontrar as respostas certas para aquelas perguntas que nenhuma esfinge plantada dentro de mim ousaria sussurrá-las no pior dos meus pesadelos! Tonta, ainda, por aquela queda livre e inesperada, agarrei o fio se desfazendo antes da resposta, batendo-se em retirada e recolhimento, feito momentos-conchas que sempre me intrigaram, e fui fundo.
- Por que não me disse antes?
- Porque não perguntou.
- Perguntei, sim, várias vezes, de várias formas...
- Talvez nunca tenha perguntado desse jeito.
- Desse jeito como?
- Assim. Talvez nunca tenha feito a pergunta certa.
- Meu Deus, que frio é esse que ainda hoje me percorre a espinha, como um calafrio!
Aquela tarde de domingo virou uma noite densa, estilhaços sob meus pés descalços e um choro de arrebentação. Nunca vou esquecer aquele momento em que me perdi; rasguei a pele como quem destrói uma roupa, uma fantasia... Varei dias, noites, choros, desesperos, convulsões e encolhimentos, e uma ciranda na minha cabeça com aquela descoberta: perguntas certas.
Empurrada pela situação, pelos movimentos e não-movimentos, caminhei decididamente em direção à esfinge. E avisei: só paro quando chegar ao fundo. Mas tive o cuidado da lição das respostas certas antes de todas as perguntas. Que tormento, descobrir respostas para perguntas além do nosso entendimento! Parei e prestei atenção a todos os sinais, as linhas tortas de um texto antigo e confuso, entrelinhas, movimentos e não-movimentos. Os silêncios me contaram mais coisas do que todas as palavras cometidas. Fui fundo, como havia prometido, e com tudo, consciente e inconscientemente. Até meus sonhos viraram uma espécie de oráculo nesse diálogo torto e sem cabimento com a esfinge. E eu que pensei que já havia transcendido esse negócio de matar o pai e comer a mãe, de repente me vi sob o guarda-chuva da intimidade do mistério. Também encontrei sujeitos ocultos e orações inominadas e móveis deslocados na sala. Não gostei, nenhum pouco, da sensação do chão fugindo aos meus pés e de me ver sozinha numa luta esquisita em um tatame duro onde recolhi verdades tiradas a força, no limite da exaustão. Já que era irremediável mesmo, essas verdades poderiam ter vindo naturalmente, numa generosidade perversa, mas espontânea naquele processo de cadeado arrebentado.
Se tivesse o direito da escolha, preferiria mil vezes a faca limpa, afiada e quente da verdade. Até hoje não entendi direito a razão de tudo isso, aquele momento em que algo que julgava bom e inteiro desejou pular os portões do paraíso. Julgo, hoje, que o paraíso era uma fantasia minha.
Tive momentos de vagar, desamparada, à procura da minha perda, que permanecia ali, impassível, ao alcance do meu toque. Mas sempre tão ausente, em outra rotação e a imagem dos braços cruzados é muito forte no itinerário da esfinge e do mistério. Hoje vejo e entendo claramente que jamais seria ouvida naquele estado de encantamento. Cometi todos os excessos de todas as palavras, vãs tentativas ao vento... Cheguei ao delírio de escrever tratados, quando meu silêncio bastaria. E fui entregue de bandeja, cabeça e coração. Mas sei que sou uma pessoa de coragem densa e no meio do caminho ousei dinamitar pontes e destruir abrigos e segui patinando em gelo fino e em direção às tempestades. Não me perdoaria a tentação de querer voltar ao aconchego de algum lugar que não mais me pertence ou não comporta o espelho novo construído com os cacos das verdades que recolhi dentro dos meus olhos, que ficaram ali, estendidos no chão. Insisti, num ponto, a VERDADE.
E as perguntas que trago comigo são inevitáveis. Mesmo que encontrem a resistência do rochedo e voltem aos meus pés, cometerei todas como quem pratica crimes bárbaros. Não quero bússola, apenas a intuição para decifrar o enigma do que está dentro e o que está fora. Aprendi uma língua nova atrás do silêncio. Às vezes não gosto do que se revela nesse silêncio que aprendi a ouvir. Mas caminho pelas ruas desse país enigma dentro e fora de mim, pensando que um dia conseguirei caminhar pelas ruas da estranheza com desenvoltura e coragem.
Sobrevivi àquele domingo e escolhi seguir descalça pelo caminho onde as areias são quentes e movediças. E isto está me transformando. Nesse caminho me seduz as espirais que desço atentamente pensando na subida, e não sei se do fundo do meu desejo nasce uma companhia, sinto o seu hálito quente e a respiração ofegante, de alguém que chegou apressado em cima da hora... Sigo e dentro do meu silêncio vibra um desejo de que essa presença seja real. Sigo... Não sei se só. Mas sigo.